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Del football al fútbol/futebol: Historias argentinas, brasileras y uruguayas en el siglo XX
Del football al fútbol/futebol: Historias argentinas, brasileras y uruguayas en el siglo XX
Del football al fútbol/futebol: Historias argentinas, brasileras y uruguayas en el siglo XX
Libro electrónico324 páginas4 horas

Del football al fútbol/futebol: Historias argentinas, brasileras y uruguayas en el siglo XX

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El fútbol es mucho más que un deporte. Es un modo de ejercitar el cuerpo, un producto de consumo masivo, un espectáculo, un negocio, un tema de conversación, un tópico literario y mediático, un fenómeno global, un modo de control social, una expresión popular mas o menos autónoma, un maleable recurso en la articulación de identidades sociales, étnico-raciales, nacionales y de género… Del football al fútbol/futebol: historias argentinas, brasileras y uruguayas en el siglo XX estudia la popularización y criollización del football, su transformación en fútbol en Argentina y Uruguay, y en futebol en Brasil, su consolidación como deporte profesional y de masas, y como espectáculo y fuente de perdurables pasiones.
IdiomaEspañol
Fecha de lanzamiento5 ene 2016
ISBN9783954878185
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    Del football al fútbol/futebol - Iberoamericana Editorial Vervuert

    Uruguay.

    PRIMERA PARTE

    LOS COMIENZOS

    ENTRE 1899 E 1920: DADOS INICIAIS DA HISTÓRIA DO FUTEBOL EM SALVADOR

    Coriolano Pereira da Rocha Junior

    Fernando Reis do Espírito Santo

    Introdução

    O futebol é reconhecidamente uma das práticas sociais de maior relevância no Brasil e no mundo, sendo um dos ou mesmo o principal fenômeno social da atualidade, por ser capaz de mobilizar grande massa de pessoas interessadas em sua prática. Foer (2005: 9) afirma que o futebol é algo que frequentemente provoca um sentimento mais profundo que a religião e, tal como esta, é uma parte do tecido comunitário, um repositório de tradições.

    Para Salvador (2005: 5), no Brasil, esse esporte, acaba agindo como uma instituição social, reforçando os elos de pertencimento, afirmando nossas virtudes e valores, expressos no corpo de nossos jogadores. Para Byington (1982: 21), o futebol só faz vibrar a alma individual e cultural de um povo na medida em que contém os símbolos que expressam e nutrem a vida psíquica deste povo.

    Pereira afirma que apesar do sucesso alcançado pelo esporte, essa é uma questão que só recentemente começa a merecer por parte de pesquisadores e estudiosos maiores atenções (2000: 15). Por conta desta magnitude do futebol como um fenômeno social, podemos pensar na constituição de um campo de estudos ao seu redor, sendo a história um dos meios para estudá-lo e foi sob a perspectiva histórica que esse artigo se construiu.

    O problema que pautou este estudo foram esses: como seu deu a construção do futebol em Salvador e como se deram as adesões e resistências à sua prática? A hipótese deste texto é a de que, em Salvador, o futebol percorreu trajetória semelhante a outras cidades brasileiras, sendo uma prática vivida pela elite¹ e pela cidade como um todo, modificando-se as formas de apropriação e prática do esporte em cada estrato social.

    Como objetivo, este estudo procurou identificar a entrada do futebol em Salvador e ainda, analisar como se deu a sua construção como prática esportiva relevante, tentando entender a trajetória da experiência futebolística na cidade, entre 1899 e 1920. A escolha do período se deu por identificarmos que, em 1899, foram fundados os primeiros clubes esportivos², que adiante passaram a praticar o futebol, e que em 1920, o esporte já vivia uma fase de consolidação (Leite/Rocha Junior/Santos, 2010).

    A metodologia utilizada foi a pesquisa histórica, na linha da nova história cultural, por essa trabalhar com objetos que não eram percebidos como centrais, caso do esporte. Burke (2005: 78) afirma que graças a essa virada em direção às práticas, a história do esporte, que antes era tema de amadores, tornou-se profissionalizada, um campo com suas próprias revistas. Essa virada aconteceu quando a história dialogou com outras áreas, dando sentido a novas práticas como objetos de pesquisas, caso do esporte. Assim, nas últimas décadas, os estudos sobre a história do esporte têm avançado como uma nova área de investigação, a partir da ação de pesquisadores que, independente de sua filiação acadêmica original, procuram fazer uso das discussões metodológicas do campo da história (Melo 2007b: 14). Neste texto, as fontes utilizadas foram: periódicos locais de circulação em Salvador (jornais e revistas), mais a literatura específica nacional e memorialistas baianos.

    Mais do que identificar responsáveis pela chegada do futebol no Brasil e em Salvador, interessa-nos compreender como ele passou a circular no cotidiano. Nesse mesmo sentido, Franco Junior (2007: 62) aponta que

    estabelecer paternidades quase heróicas e datas oficiais não esclarece as relações entre o futebol e a sociedade brasileira. Pelo contrário, suas significações mais profundas residem no processo de apropriação pelos diversos setores sociais que o transformaram num fenômeno de massas.

    Dessa forma, entendemos ser possível compreender os primórdios do futebol em Salvador, passando antes por um olhar sobre o Brasil. Assim, essa produção se associa a uma linha de estudos que tratam o futebol como um fenômeno social, buscando compreendê-lo sob o viés da história. Sobre Salvador, ainda são escassos os estudos nessa linha, o que faz com que essa produção atue na ampliação desse tema de pesquisas na Bahia.

    O futebol na sociedade e na cultura brasileira

    Sobre o futebol no Brasil muito se fala que Charlles Miller e Oscar Cox³ foram os responsáveis por sua introdução no país. Sem negar a importância desses homens na sistematização do futebol, já se sabe que esse esporte, antes desse processo inicial de organização, existia no país como uma prática escolar. Melo (2000: 19) afirma que

    no Brasil, desde os tempos da Colônia, existiam colégios jesuítas⁴, e foi provavelmente através deles que chegaram as primeiras bolas de futebol e se realizaram os primeiros jogos. Como dissemos, ainda não havia clubes, campeonatos e entidades, mas o esporte praticado já era o futebol moderno segundo o modelo inglês.

    No Brasil o futebol não demorou a atrair o interesse da população, tornando-se uma das práticas mais queridas em todas as camadas sociais. Sobre isto, Melo (2007a: 74) assevera que

    enquanto outros esportes exigiam espaços e equipamentos custosos, para a prática do futebol bastava um terreno vazio, traves e bolas improvisadas. A prática, aliás, era bem adequada ao gosto popular, com sua necessidade de coletividade, com suas possibilidades de improvisação, bem como por certa permissividade simbólica de uma violência controlada, próxima a algumas manifestações populares.

    Esse movimento de entrada e circulação do futebol nas cidades brasileiras não se deu de forma simples e direta, permitindo-nos perceber uma de suas características sociais, a ambiguidade.

    No Brasil, o futebol foi visto como uma atividade civilizada, uma das representações dos modos e práticas da elite, mas também foi uma atividade combatida, um esporte incivilizado, notadamente quando jogado por populares⁵. Se o futebol foi um modo de educar e de civilizar⁶ o povo a partir de uma bela prática, na tentativa de incorporar toda uma ritualidade comportamental europeia, foi também apropriado e ressignificado pelas camadas populares, passando a ser um dos seus interesses culturais e praticado de formas mais espontâneas, diferentes do esporte formalizado, inclusive no que toca aos equipamentos e espaços⁷ de jogo.

    Pode-se dizer que o

    futebol foi introduzido no Brasil sob o signo iniludível do novo, pois, muito mais do que um simples jogo, ele constava da lista de coisas civilizadas e moderníssimas a serem adotadas pela sociedade brasileira, uma sociedade vista por suas elites como atrasada e, com a Proclamação da República, em alvoroço para recuperar o tempo perdido. Além disso, esse jogo de bola era algo relativamente desconhecido, mas que chegava do maior império colonial do mundo, da prestigiosa Inglaterra – no bojo de uma novidade chamada esporte (DaMatta 2006: 136).

    O futebol, como uma prática social, é apontado como um dos elementos que vão contribuir para a formação das identidades locais e nacionais. Entendemos que as identidades são representações culturais⁸, portanto, mutáveis e assim, são sempre transformadas em função de cada contexto (Hall, 2005). Por isso, o futebol é um meio efetivo de caracterização e representação dessas identidades, justo por ser um espaço onde se demonstram os arranjos e expressões culturais que caracterizam modos diversos de se jogar e de se ver o jogo (Guedes 2009). Assim, DaMatta (1982: 22), ao entender que o futebol pode significar uma representação da cultura nacional, apresenta a afirmação de que o futebol praticado, vivido, discutido e teorizado no Brasil seria um modo específico, entre tantos outros, pelo qual a sociedade brasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto, descobrir.

    Nesse sentido, Giulianotti (2002: 42) afirma que

    o futebol é uma das grandes instituições culturais, como a educação e os meios de comunicação de massa, que formam e consolidam identidades nacionais no mundo inteiro. A difusão internacional do futebol durante o final do século xix e o início do século xx ocorreu quando a maior parte das nações na Europa e na América Latina estava negociando suas fronteiras e reformulando suas identidades culturais.

    Com isso, vemos que o futebol, no Brasil adentrou o cotidiano popular, ganhando projeção como uma prática cultural. Interessa-nos agora compreender como Salvador fez parte desse jogo.

    O Futebol soteropolitano

    Sobre Salvador, alguns autores mostram que a chegada do futebol se deu pelas mãos de brasileiros que tinham passado pela Inglaterra e por lá o experimentado e que então, tentaram trazer para seu local de origem, as mesmas práticas vividas na Europa e para tanto, precisavam dinamizar essa experiência na cidade.

    Leal (2002: 180) fala o seguinte:

    na Bahia, os rapazes desejavam praticar aquela modalidade de esportes, quando chegou à cidade do Salvador, o estudante José Ferreira, de alcunha Zuza, que tinha concluído seu curso na Inglaterra e viria para empregar-se no Bank of London, nesta capital. Sabia ele que em Salvador os esportes existentes eram o cricket, no Campo Grande, praticado pelos ingleses e as corridas de cavalo no Ground do Rio Vermelho e da Boa Viagem.

    Nesse início, ao mesmo tempo em que havia uma aceitação do futebol, eram também vistas notícias que dele falavam mal, quando a sua prática se dava entre populares. Sobre essa resistência ao futebol em Salvador, Leal (2002: 181), analisando jornais de época, demonstra que

    quantas vezes a cavalaria perseguiu empinadores de arraias, acabou babas⁹ em todos os locais, em todas as ruas e em todos os tempos. Como uma confirmação, que seriam muitas se fôssemos anotar. O Diário de Notícias, em 11 de junho de 1907, fazia uma denúncia contra "o foot-ball (futebol) de garotos no Largo de São Bento, que reúnem-se todos os dias naquele largo. É uma turma de desocupados jogando foot-ball, quebrando vidraças, vidros de lampiões públicos, incomodando o transito"¹⁰.

    Pode-se ver que o futebol, quando enquadrado nas normas de civilidade e disciplinarização, era aceito e benquisto, por expressar os sentidos e aspirações da elite de Salvador, que se inspirava em modelos europeus sobre como se portar e vivenciar o seu dia a dia. Todavia, esse mesmo futebol, ao mesmo tempo, sofria resistências quando aparecia de forma desordenada na cidade, sem atentar para os princípios da modernidade/civilidade, dentre eles, a regulação de comportamentos, sendo uma prática a ser combatida e isso acontecia quando essa se dava entre populares.

    Segundo Franco Junior (2007: 62), a organização dos clubes de futebol no Brasil seguiu duas tendências. A primeira consistia justamente na "formação de equipes no interior dos grupos dominantes, orientada pelos valores do cavalheirismo, do fairplay e do amadorismo. Já a segunda tendência, é justamente aquela onde as fronteiras sociais do futebol começaram a ser transpostas desde cedo com a formação de times improvisados pelos setores populares" (Franco Junior 2007: 63). Essas tendências também se deram em Salvador.

    No processo de introdução e fixação do futebol soteropolitano, falar da criação dos clubes é necessário, já que esse fato expressou a forma com que se deu sua caminhada em Salvador. Os primeiros clubes não foram pensados para o futebol e sim para o críquete, esporte que havia chegado às terras baianas com os ingleses. Segundo Gama (1923: 319):

    foram os membros da colonia ingleza na Bahia que fizeram a introducção de um jogo, cuja disputa, para elles, tinha já o cunho de Sport, – pois sendo a sua Pátria o berço do Sport moderno – tinham a noção exacta da significação do vocábulo. Esse jogo, foi o cricket, de origem genuinamente ingleza [...]. Esse cricket de então, era disputado no local hoje denominado Praça Duque de Caxias.

    Como já visto, o primeiro clube de Salvador foi o Club de Cricket Victoria (1899), clube de jovens da elite local, que em 1901 passou a se chamar Sport Club Victoria, começando a prática do futebol no ano seguinte. Seguindo a tendência apontada por Franco Junior (2007), outros clubes foram criados em Salvador, clubes que podiam ainda ser de elite ou de origem popular ou ainda, ter base nas colônias estrangeiras. Nessa lista, vemos clubes como: Club Internacional de Cricket (novembro de 1899); Club de Natação e Regatas São Salvador (1902); Club de Regatas Itapagipe (1902); Sport Club Bahiano (1903); Sport Club São Paulo-Bahia (1903); Sport Club Santos Dumondt (1904); Fluminense Foot-Ball Club; Sport Club Ypiranga (1906); Botafogo Sport Club (1914) e outros mais. Alguns tiveram vida curta, outros duraram tempo maior, mas da mesma forma foram extintos e poucos são os que existem até hoje, com alguns tendo sido criado em tempos mais recentes, como o Esporte Clube Bahia (1931).

    Assim, em Salvador, vemos que os clubes fundados no primeiro momento, o da fase de iniciação do esporte, em sua maioria representavam a elite. Só mais adiante é que começamos a perceber a criação de clubes que também representavam a população de mais baixa renda, aquela mesma que era marginalizada nos clubes já existentes e mesmo era afastada das práticas formais de futebol, cabendo-lhes então jogar os seus babas nos espaços livres da cidade.

    Outra forma de analisar o futebol em Salvador é compreendendo como os seus espaços de prática foram constituídos. Gama (1923) e Leal (2002) demonstram que o primeiro local de jogo foi uma praça conhecida como Campo da Pólvora, por permitir condições mínimas de jogo em relação aos padrões oficiais. Com o crescente interesse pelo futebol na cidade, não demorou muito para que fossem adaptados outros espaços, mais ajustados às exigências formais, surgindo aí o bairro do Rio Vermelho,

    bairro afastado da cidade, aonde o melhor meio de se chegar eram os bondes e mesmo assim com dificuldades, o Rio Vermelho passou a ser cenário principal da prática de futebol em Salvador, quando então, cuidou-se dos preparativos para que naquele arrabalde fosse realizados campeo-natos (sic) que antes, nos outros locais, ainda não eram realizados (Leal 2002: 182).

    No Rio Vermelho, o futebol era praticado nos mesmos espaços onde existiram as corridas de cavalo, ou seja, o futebol ainda não possuía um espaço especifico, denotando isso sua característica de esporte ainda em fase de organização na cidade de Salvador. Sobre esses espaços, Gama (1923: 320) nos mostra que

    passou o ground, onde se disputavam os jogos, a ser no antigo prado do Rio Vermelho, onde o foot-ball teve os seus dias áureos com os encontros, dentre outros, entre o Sport Club Victoria (antigo Club de Cricket Victoria) e o Club de Regatas S. Salvador, os quaes naquelle tempo, eram os leaders do sport.

    Sob essa condição ainda primária, o futebol seguiu sendo no Rio Vermelho, até que veio "uma crise inevitável do foot-ball, crise esta que só pôde ser attribuída aos meios defficientes de conducção para o Rio Vermelho, que motivaram aos poucos, o empalidecimento da estrella do foot-ball" (Gama 1923: 320).

    Também sobre o local dos jogos de futebol em Salvador, Leal (2002: 185) afirma que "a cidade se espalhava, havia necessidade de se construir um campo de foot-ball mais próximo do centro para satisfazer a todos os soteropolitanos, já que o esporte bretão tinha crescido acentuadamente e os bondes chegavam ao Rio Vermelho lotados".

    Com isso, identificamos diferentes fases de ocupação dos espaços para a prática do futebol em Salvador. Uma primeira, quando o jogo se dava em praças (Campo da Pólvora e outras), onde ainda eram poucos os praticantes e seus jogos eram mais ligados ao aspecto da diversão daqueles que foram seus introdutores na cidade. Uma segunda se deu quando passou a ser necessário um espaço mais organizado, um espaço que permitisse uma prática mais sistematizada, com uma organização inicial de campeonatos, todavia, um espaço ainda adaptado, fazendo uso de outro já existente, no caso, os hipódromos, sendo essa a fase em que o futebol foi praticado no Rio Vermelho, tendo também voltado para o Campo da Pólvora.

    A terceira fase foi aquela onde já se exigia um espaço específico, só do futebol, surgindo o Campo da Graça¹¹, que foi construído especificamente para o futebol, o primeiro estádio em Salvador. Sua construção e inauguração permitiram uma nova realidade do futebol na cidade e

    no dia 15 de novembro, na Graça, deu-se a grande festa do esporte bretão, não mais no ground, derby, prado ou hipódromo, e sim no campo construído naquele local, na esquina da Rua Catarina Paraguassu com a Avenida Euclides da Cunha e foi um dia de confraternização baiana (Leal, 2002: 186).

    Se a construção do estádio satisfez uma necessidade, outra seria melhor organizar o futebol em Salvador, tendo se tornado imperiosa a fundação de uma entidade que pudesse melhor sistematizá-lo. Uma primeira experiência se deu quando o Sport Club São Paulo-Bahia, ao lado de outros clubes, fundou a primeira Liga da Bahia (15 de novembro de 1904). Sobre isso, o Jornal de Notícias¹² afirmou assim:

    ante-hotem, 15 às 11 horas do dia, reunidos alguns sócios dos clubes Vitória, Internacional, Bahiano e São Paulo, na sede deste, instalaram a LIGA BAHIANA DE SPORTS TERRESTRES que tem por fim dar maior desenvolvimento aos sports terrestres na Bahia.

    Em setembro de 1913, outra liga foi criada, a Liga Brasileira de Sports Terrestres. Em Salvador, existiram ainda outras ligas futebolísticas, como: Liga Sportiva Nacional, a Liga Itapagipana e a Liga Rio Branco de Sports Terrestres.

    A constituição dessas ligas correspondeu ao avançar da prática de futebol em Salvador. Dessa forma, organizar campeonatos, jogadores e espaços, era vital, já que esse esporte começava a alcançar outros praticantes, ele já se alastrava pela cidade, chegando às várias camadas da população e aos vários bairros (mesmo que em campos improvisados¹³).

    Além de aspectos como a introdução do futebol, a criação de clubes, a organização dos espaços de jogo, a sua regulamentação e a sua circulação entre a população, alguns outros fatores significaram a maior capilarização do esporte na sociedade soteropolitana. Vemos, por exemplo, que a imprensa passou de notas soltas, para uma cobertura específica, surgindo até uma associação de cronistas esportivos; os jogadores passaram a ser vistos com outros olhos pela população, tornando-se ídolos, participando de propagandas e sendo exaltados pela cidade; o futebol dialogava com outras práticas culturais, como o cinema, que passou a exibir jogos e ainda, a Bahia começava a querer dialogar esportivamente com o resto do país e a querer ver e ser vista pelos praticantes de futebol em outros estados e para isso, convidava clubes de fora do estado para jogarem amistosos, bem como participava de competições organizadas nacionalmente.

    Analisando a trajetória percorrida pelo futebol em Salvador, vemos que ela não se deu de forma isolada e sim, articulada com projetos maiores da cidade e mesmo que se reconheça a sua capacidade de autonomia em relação aos aspectos políticos e econômicos, é evidente que estes tiveram influência sobre o futebol.

    Nesse sentido, deve-se dizer que entre fins do século xix e início do século xx, no Brasil, em diferentes níveis e estágios, entrava em cena um projeto, o de modernização das cidades e o esporte e o futebol se ligavam a ele.

    Melo (2001: 14) nos mostra que toda a vivência desse processo de modernização trouxe mudanças significativas para o cenário social e cultural brasileiro, principalmente a partir da segunda metade do século xix. Nesse contexto, o esporte encontrou terreno fértil e possibilidades de se estabelecer no País. Sobre essa relação entre modernidade e esporte, Rocha Junior (2009: 1), afirma que essa se deu pelo fato do esporte articular elementos como: maior exposição do corpo, movimento, risco e desafio, fatores que significavam uma busca pelo prazer e por uma excitação inovadora, se revestindo de elementos vividos e expressados pela modernidade.

    Para melhor definir nossa análise acerca da modernidade, vemos que para Kumar, esta

    extrai seu significado tanto do que nega como do que afirma. [...] a modernidade sente que o passado não tem lições para ela; seu impulso é constantemente em direção ao futuro. Ao contrário de outras sociedades, a sociedade moderna recebe bem e promove a novidade. É possível dizer que ela inventou a tradição do novo (1996: 473).

    Baudelaire (2007: 26), um intelectual que viveu a experiência francesa, tentando compreender a modernidade, seus conceito e sentidos, afirma que a modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente. Já Gunning (2004) ao trabalhar conceitualmente modernidade, nos fala que essa é mais uma mudança de experiência do que um período, formada por um conjunto diversificado de fatores.

    Também Salvador¹⁴ empreendeu ações que visaram a remodelar seu espaço urbano, como: construção de avenidas, monumentos e edifícios e também a derrubada de outros espaços considerados inadequados a modernidade. Ainda, procurou-se adequar seus habitantes às novas exigências de comportamentos e posturas dessa modernidade, tentando levar para Salvador todo um propósito de instalar o novo e assim superar o declínio experimentado pela cidade. E foi a partir dessa fase e acompanhando as reformas da cidade, que o futebol ganhou maior peso em Salvador, tornando-se popular, com clubes constituídos, competições mais regulares e espaços próprios e de "quanto ficou dito, ressalta claramente que a Bahia pôde festejar o seu grande feito de emancipação política, com os sports em pleno desenvolvimento e cultivo. E de mais a mais, adoptados pela quase totalidade de sua população, os sports têm sido apoiados pelos poderes públicos da Bahia" (Gama, 1923: 321).

    Breves conclusões

    Numa análise final acerca do futebol em Salvador, podemos identificar que em sua trajetória, este se desenvolveu como uma prática cultural que ganhou as ruas da cidade, relacionando-se com outros elementos da cultura soteropolitana, transformando-se no esporte de maior aceitação, até a atualidade.

    O futebol em Salvador teve seu início como uma prática que representava a modernidade e seus ganhos. A modernidade baiana tentou mudar a cidade em sua estrutura urbana, mas também a população em seus comportamentos e nesse sentido, o esporte e especificamente o futebol, foi um dos elementos utilizados para fazer acontecer e representar o ideário da modernidade, como um jogo de nobres e refinados hábitos¹⁵, distinguindo-se das práticas livres da população, que deveriam ser expurgadas da sociedade.

    Entendendo que uma prática cultural não é estática e que ganha sentidos diversos a partir do que se opera em cada realidade, num diálogo com o que é peculiar a cada local, é que percebemos que o futebol em Salvador foi modificando-se, num processo que não foi linear e nem uniforme. O futebol tornou-se uma atividade de caráter popular, ganhando espaço como um esporte que não era apenas a representação do modo europeu de ser, mas sim, demonstrava a forma da população baiana de lidar com o que até então era uma novidade, enfrentando as oposições e resistências da elite.

    Assim, o futebol foi apropriado e reorganizado pela massa da população soteropolitana, incorporando formas espontâneas e diversificadas de jogar e ver o jogo, constituindo clubes e ligas. Da mesma forma, essa população tentou se apropriar da cidade, espalhando por Salvador campos de jogo, atendendo aos seus interesses em acessar o futebol, mesmo que de uma forma que não fosse a padronizada. Assim, ao se apoderar do futebol, a população local também buscou se apossar dos adventos da modernidade, representando isso a forma com que na Bahia se deu o processo de entrada e incorporação do futebol, como uma prática cultural da modernidade.

    Referências

    Baudelaire, Charles de (2007): Sobre a modernidade. 6ª. ed. São Paulo: Paz e Terra.

    Byington, Carl (1982): A riqueza simbólica do futebol. Em: Revista Psicologia atual, São Paulo, Vol. 5, nº. 25, pp. 20-32.

    Burke, Peter (2005): O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

    Da Matta, Roberto (ed.) (1982): Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Pinakotheke.

    — (2006): A bola corre mais que os homens. Rio de Janeiro: Rocco.

    Foer, Franklin (2005): Como o futebol explica o mundo: um olhar inesperado sobre a globalização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

    Franco Junior, Hilário (2007): A dança dos deuses: futebol, sociedade e cultura. São Paulo: Companhia das Letras.

    Gama, M. (1923): "Como os ‘sports’ se iniciaram e progrediram na Bahia". Em: Diário oficial do Estado da Bahia, Edição Especial do Centenário. Salvador: s. e., pp. 12-32.

    Giulianotti, Richard (2002): Sociologia do futebol: dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria.

    Guedes, Simoni L. (2009): Futebol e identidade nacional: reflexões sobre o Brasil. Em: Priore, Mary Del/Melo, Victor Andrade de (eds). História do esporte no Brasil: do império aos dias atuais. São Paulo: UNESP, 200

    Gunning, Tom. O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema. Em: Charney, Leo/Schwartz, Vanessa

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